19 de maio de 2011

Arabesco Etéreo


Eu flutuava...
Ou em nuvens, ou em ondas,
Se calhar, até voava...

De um lado para o outro, inspirava
O vento que ao ar criava formas
E que, lentamente, me elevava...

No topo, flutuava...
Desfazia-me em pequenas bolhas
E, levemente, me dispersava

Eu queria, eu podia,
Sentia e conseguia
Se calhar, até voava...

Montanhas, à minha passagem, separava
E com tal leveza o fazia,
Que cada montanha, a espuma se assemelhava

Em constante mutação, a minha forma se alterava:
Eu alargava, emagrecia ou encolhia e enrolava.
Se calhar, ainda voava...

Tudo o que queria, existia!
E tudo o que tentava, alcançava!
Tal a utopia em que me encontrava!

Tudo isto, que era fugaz, se atrasava.
E o meu voo, descendente, continuava, 
E, em espiral, acelerava.

Eu flutuava, mas o voo parava;
Triste, suspirava e não mais levitava.
Será que sonhava?

De facto, flutuava e até voava,
Mas não sonhava,
Porque não acordava...

7 de maio de 2011

Verdade Oculta

Diz-me, mas também com a boca,
(E não só com os olhos, como tanto gostas de fazer),
Uma verdade sentimentalmente não oca
Mas de forma que a oiça, p'ra parar de sofrer

O jogo perverso, que os teus olhos praticam,
Ao meia verdade esconderem, p'ra me forçarem a procurar
Frustra-me e desgasta-me, deixando-me seco de emoção!

Diz-me o que sabes que penso de ti,
Pois sozinho ainda não o descobri.
Os teus olhos não mo permitem.

Deixa, pois, a tua boca falar sob a porta aberta
(Do teu coração)
Esquece o orgulho e a desconfiança,
Que mantêm essa verdade longe, com tamanha opressão!

Diz que me amas como eu te disse a ti,
Pois sozinho ainda não o descobri

3 de maio de 2011

Balada Gótica

" Foi naquela Primavera negra de árvores escuras e despidas de folhas, em que o Sol mal se via, por detrás da cortina cinzenta do céu, quando vagueava naquele jardim de mármore, que te vi.
Teria chorado, se me fosse possível, pois ao fim de tanto tempo sozinho, sem encontrar ninguém na minha condição, esperava passar o resto da minha eternidade sozinho.
A vida depois da morte, nada mais tinha significado do que dor para mim, até esse dia.
Apareceste toda esfarrapada, coberta de sangue, com a pele pálida... Estavas como eu! Nessa altura, enquanto as minhas pernas fraquejavam, obrigando-me a sentar na campa de um qualquer sortudo, que gozava agora de um belo Sono Eterno, quase que podia jurar que ouvia as árvores velhas lamuriarem-se invejosas da tua beleza.
Aí, finalmente compreendi o porquê de ainda não estar na repousante escuridão do Reino da Morte: faltavas tu. Outrora a minha razão de viver, agora eras a condição para eu fechar os olhos para sempre; porque tu e eu somos duas partes de um só.
Vem. Vamos procurar um caixão e dormir finalmente descansados e, para sempre, em paz."

2 de maio de 2011

Estilhaço (2ª Parte)

Esmurrei o espelho. Estava estilhaçado. Estava como eu...
No entanto, tendo em conta que mostrava uma centena de "eus" repugnantes, isso não me agradava nem um bocadinho. Tinha uma dor aguda na mão e uma pequena poça vermelha aos meus pés. Nada disso era importante. O raio do espelho, em vez de parar de reflectir a minha imagem tinha-a transformado em pequenas réplicas de tudo o que eu não queria ver: eu próprio!
Eu, esse cancro; esse desperdício de espaço terrestre, sem propósito...
Não me curou, este estilhaçado espelho, dos milhões de estilhaços ignóbeis, dentro de mim.
Odeio a minha raça! Os estilhaços de vidro misturados com o meu sangue lembram-me os estilhaços que causei em famílias inocentes.
Como se pudesse esquecer... Os gritos, o desespero e a dor dançam na minha cabeça, como gaivotas num cais, a chiar enquanto tentam apanhar peixe.
Escrevo isto, porque não aguento. Não ME aguento mais, não tenho força suficiente para morrer devagar com todo este turbilhão histérico, na minha cabeça a consumir-me. Por isso vou destruir a única pessoa que o mereceu este tempo todo: eu; e tornar-me eu próprio, num monte de estilhaços.

Consagração da Esquizofrenia (1ªa parte)

Saio à rua, sentindo de antemão a imersão corrosiva de olhares na minha direcção.
Os meus músculos contraem-se, os olhos abrem-se em alerta e sinto o meu coração inchado pela adrenalina que ribomba no meu peito (e quase lasca as minhas costelas).
O chão parece que vai desabar sob o peso dos prédios que parecem crescer e fechar-se sobre a minha cabeça.
Tenho que fugir! Tudo me quer apanhar!
Dou por mim, à medida que as gotas de suor gelado me escorrem pela testa e pela espinha, a gritar de medo e a cair ao chão, sem forças. No meio da minha agonia alguém me pergunta qualquer coisa, que eu não chego a ouvir, pois preocupo-me mais em fugir da sua mão que me tenta agarrar. O que poderia fazer, se eu não fugisse? Não quis descobrir. Fujo. Fujo a sete pés, até entrar no primeiro lugar onde uma porta acedeu a abrir-se para mim. Era um sítio húmido, sujo, de uma atmosfera bassa e sulfurosa: uma velha casa de banho pública, carregada de visco, mofo e pó.
Era horrível, mas não me sentia observado. Cheguei-me ao lavatório rachado. Abria a torneira. Felizmente ainda tinha água; lavei a minha cara; sentia as veias a pulsarem o sangue quente na minha cabeça e o meu cérebro doente queixa-se e lateja contra o meu crânio.
Ao levantar a cabeça, vi-me ao espelho e aí percebi: talvez houvesse razão para tudo o que me acontecia. Ao olhar para o meu reflexo comecei a sentir uma repulsa incontrolável. Sentia a derradeira perseguição.
Eu próprio estava a perseguir-me e o meu reflexo pareceu rir-se para mim trocista...