20 de outubro de 2011

(...)

Num outro mundo...
Um homem corria 
E um outro via.

Um transpirava
E o outro permanecia.


Num outro mundo...
O oposto se fundia


Esforço e Inércia
Por opostos, praticados.


Um homem corria
E outro via...
E assim sucedia.


Num mundo à parte,
Mentes divergentes
Convergiam.


As ondas do mar,
Só para alguns batiam
E, para outros, nem se ouviam.


Para quê existir tal mundo?
Onde se troca o vivo
E se enaltece o defunto?

9 de agosto de 2011

Não!

Se uso a derradeira palavra, que corta, parte e faz caminhos dividirem-se e, ainda por cima, com veemência, é porque nada mais resta fazer.
Pois bem, recuso-me a ficar na sombra, a ser escravo da minha própria pouca vontade, a enterrar-me mais fundo numa miséria que é, apenas e só, uma criação da minha autoria.
Porque me recuso a acreditar que os momentos passados a carpir mágoas, na sarjeta da vida são a minha última acção como ser vivo e activo. Não! Se as minhas pernas fraquejarem, se o meu corpo estiver demasiado dorido para sair da merda, tiro-a de mim à mangueirada! Se os braços não alcançarem essa mesma mangueira, então rir-me-ei sozinho da minha própria miséria, até que ela se tornará tão ridícula, tão insignificante que acabará por pegar na sua trouxa e ir dar uma volta ao país dos defuntos, infelizes e não-existentes seres que acabei de me lembrar agora, como eufemismo para um lugar pior (lugar esse para onde mandarei realmente problemas, infortúnios e miséria).
Criar uma realidade melhor não é particularmente difícil, preciso apenas da dose certa de optimismo e do tempero forte que o orgulho proporciona.
E, no fundo, vendo bem, a real infelicidade nunca morou nesta casa, por isso porquê complicar? Um dia que ela me bata à porta toda sorrisinhos e falinhas mansas leva um "Não!" redondo na cara!

7 de agosto de 2011

Cheio de Nada

Foste embora...
Não foi preciso muito,
para o Nada se apoderar de mim.


Porque sem ti,
tudo é isso mesmo: Nada.


Não é vazio que me sinto.
Pelo contrário!


O Nada preenche-me e pesa-me,
como nunca Nada me pesou.


Sou cada vez mais Nada, à medida que o tempo passa.


Nem me lembrava como era estar sem ti:
nada é bonito, nada é alegre...
O Nada persegue-me onde quer que vá
e tu não estás cá para me proteger
com o Tudo que és para mim.


Em breve, o Nada terá sucesso
e o que resta de mim,
será mais uma parte desse mesmo Nada.


Não sou nada sem ti. Nada é nada. Para sempre.

3 de julho de 2011

Fogueira

Acendi-a. Contemplei o fogo a subir, à medida que o fumo, seu acompanhante, criava espirais quentes no ar. Absorto, fascinado... ou cego admirei, inspirei e vivi a paixão escaldante que ela em mim causou.
Nunca fui tão feliz, em qualquer outro momento ou local. A fogueira ardeu em mim por mais tempo do que esperei ser possível, até me fazer acreditar que jamais se apagaria. Até que um dia, uma brisa maliciosa soprou. De início, as chamas da fogueira mal vacilaram, mas depois, a brisa passou a rajada. Não! A sucessivas rajadas.
As chamas decresceram e quase levaram a minha fé na, outrora, resplandecente fogueira que eu, tão ingenuamente, acendi. Esta não se apagou, mas não mais ardeu da mesma forma: sempre que o vento soprava, trazia os fantasmas do passado que a amedrontavam.
Ela resistiu, mas já não era a fogueira bela, apaixonante e familiar. Tornou-se doentia; perseguia-me e queimava-me a todo o instante. A dor que me causou enloqueceu-me e consumiu-me. Apaguei-a num acesso de fúria, para me arrepender imediatamente e irromper num choro convulsivo. As lágrimas que brotavam dos meus olhos evaporavam assim que tocavam a minha pele, fazendo desaparecer os últimos resquícios  da lembrança da minha adorada, mas maldita fogueira...

19 de maio de 2011

Arabesco Etéreo


Eu flutuava...
Ou em nuvens, ou em ondas,
Se calhar, até voava...

De um lado para o outro, inspirava
O vento que ao ar criava formas
E que, lentamente, me elevava...

No topo, flutuava...
Desfazia-me em pequenas bolhas
E, levemente, me dispersava

Eu queria, eu podia,
Sentia e conseguia
Se calhar, até voava...

Montanhas, à minha passagem, separava
E com tal leveza o fazia,
Que cada montanha, a espuma se assemelhava

Em constante mutação, a minha forma se alterava:
Eu alargava, emagrecia ou encolhia e enrolava.
Se calhar, ainda voava...

Tudo o que queria, existia!
E tudo o que tentava, alcançava!
Tal a utopia em que me encontrava!

Tudo isto, que era fugaz, se atrasava.
E o meu voo, descendente, continuava, 
E, em espiral, acelerava.

Eu flutuava, mas o voo parava;
Triste, suspirava e não mais levitava.
Será que sonhava?

De facto, flutuava e até voava,
Mas não sonhava,
Porque não acordava...

7 de maio de 2011

Verdade Oculta

Diz-me, mas também com a boca,
(E não só com os olhos, como tanto gostas de fazer),
Uma verdade sentimentalmente não oca
Mas de forma que a oiça, p'ra parar de sofrer

O jogo perverso, que os teus olhos praticam,
Ao meia verdade esconderem, p'ra me forçarem a procurar
Frustra-me e desgasta-me, deixando-me seco de emoção!

Diz-me o que sabes que penso de ti,
Pois sozinho ainda não o descobri.
Os teus olhos não mo permitem.

Deixa, pois, a tua boca falar sob a porta aberta
(Do teu coração)
Esquece o orgulho e a desconfiança,
Que mantêm essa verdade longe, com tamanha opressão!

Diz que me amas como eu te disse a ti,
Pois sozinho ainda não o descobri

3 de maio de 2011

Balada Gótica

" Foi naquela Primavera negra de árvores escuras e despidas de folhas, em que o Sol mal se via, por detrás da cortina cinzenta do céu, quando vagueava naquele jardim de mármore, que te vi.
Teria chorado, se me fosse possível, pois ao fim de tanto tempo sozinho, sem encontrar ninguém na minha condição, esperava passar o resto da minha eternidade sozinho.
A vida depois da morte, nada mais tinha significado do que dor para mim, até esse dia.
Apareceste toda esfarrapada, coberta de sangue, com a pele pálida... Estavas como eu! Nessa altura, enquanto as minhas pernas fraquejavam, obrigando-me a sentar na campa de um qualquer sortudo, que gozava agora de um belo Sono Eterno, quase que podia jurar que ouvia as árvores velhas lamuriarem-se invejosas da tua beleza.
Aí, finalmente compreendi o porquê de ainda não estar na repousante escuridão do Reino da Morte: faltavas tu. Outrora a minha razão de viver, agora eras a condição para eu fechar os olhos para sempre; porque tu e eu somos duas partes de um só.
Vem. Vamos procurar um caixão e dormir finalmente descansados e, para sempre, em paz."

2 de maio de 2011

Estilhaço (2ª Parte)

Esmurrei o espelho. Estava estilhaçado. Estava como eu...
No entanto, tendo em conta que mostrava uma centena de "eus" repugnantes, isso não me agradava nem um bocadinho. Tinha uma dor aguda na mão e uma pequena poça vermelha aos meus pés. Nada disso era importante. O raio do espelho, em vez de parar de reflectir a minha imagem tinha-a transformado em pequenas réplicas de tudo o que eu não queria ver: eu próprio!
Eu, esse cancro; esse desperdício de espaço terrestre, sem propósito...
Não me curou, este estilhaçado espelho, dos milhões de estilhaços ignóbeis, dentro de mim.
Odeio a minha raça! Os estilhaços de vidro misturados com o meu sangue lembram-me os estilhaços que causei em famílias inocentes.
Como se pudesse esquecer... Os gritos, o desespero e a dor dançam na minha cabeça, como gaivotas num cais, a chiar enquanto tentam apanhar peixe.
Escrevo isto, porque não aguento. Não ME aguento mais, não tenho força suficiente para morrer devagar com todo este turbilhão histérico, na minha cabeça a consumir-me. Por isso vou destruir a única pessoa que o mereceu este tempo todo: eu; e tornar-me eu próprio, num monte de estilhaços.

Consagração da Esquizofrenia (1ªa parte)

Saio à rua, sentindo de antemão a imersão corrosiva de olhares na minha direcção.
Os meus músculos contraem-se, os olhos abrem-se em alerta e sinto o meu coração inchado pela adrenalina que ribomba no meu peito (e quase lasca as minhas costelas).
O chão parece que vai desabar sob o peso dos prédios que parecem crescer e fechar-se sobre a minha cabeça.
Tenho que fugir! Tudo me quer apanhar!
Dou por mim, à medida que as gotas de suor gelado me escorrem pela testa e pela espinha, a gritar de medo e a cair ao chão, sem forças. No meio da minha agonia alguém me pergunta qualquer coisa, que eu não chego a ouvir, pois preocupo-me mais em fugir da sua mão que me tenta agarrar. O que poderia fazer, se eu não fugisse? Não quis descobrir. Fujo. Fujo a sete pés, até entrar no primeiro lugar onde uma porta acedeu a abrir-se para mim. Era um sítio húmido, sujo, de uma atmosfera bassa e sulfurosa: uma velha casa de banho pública, carregada de visco, mofo e pó.
Era horrível, mas não me sentia observado. Cheguei-me ao lavatório rachado. Abria a torneira. Felizmente ainda tinha água; lavei a minha cara; sentia as veias a pulsarem o sangue quente na minha cabeça e o meu cérebro doente queixa-se e lateja contra o meu crânio.
Ao levantar a cabeça, vi-me ao espelho e aí percebi: talvez houvesse razão para tudo o que me acontecia. Ao olhar para o meu reflexo comecei a sentir uma repulsa incontrolável. Sentia a derradeira perseguição.
Eu próprio estava a perseguir-me e o meu reflexo pareceu rir-se para mim trocista...